domingo, 4 de dezembro de 2011

Artigo - O PALHAÇO E A INFÂNCIA

O palhaço e a infância
(El clown y La infância) Jesus Jara, Trad. Marton Maués
Muitas vezes se diz que o palhaço é como uma criança. E não estão errados os que o dizem. Há muitas características das crianças no universo do palhaço, em seu comportamento, sua forma de raciocinar, sua maneira de enfrentar os problemas. Em suas brincadeiras, suas reações, sua mudanças de humor, como por exemplo, a passagem do choro para o riso sem transição. A curiosidade, a ingenuidade, o olhar claro, a sinceridade, a espontaneidade, certamente, são conceitos comuns nas pautas do comportamento da criança e do palhaço. O desejo de possuir, de brincar e experimentar, de aprender, têm sutis laços entre um e outro.
A capacidade de reação ante a queda, seja física ou emocional, a entrega total diante do que chama sua atenção, o desconhecimento do perigo, o desejo de abarcar tudo, a eterna indecisão diante duas fontes de atração irresistíveis. E, especialmente, o imaginário. Essa capacidade para transportar-se à outra realidade, inventada, sonhada, recriada desde o desejo de aceder a ela. Uma espécie de lacuna ou parêntesis espaço-temporal que possibilita uma assimilação de alguns aspectos da realidade diária e próxima. Um trampolim até o jogo, a aventura. Um aspecto fundamental do aprendizado. Uma atrativa simbiose entre conhecimento e gozo. Um elemento de desenvolvimento pessoal e, ao mesmo tempo, de socialização, de convivência, de aceitação e entrega.
As crianças se identificam facilmente com o palhaço. Especialmente quando entram em confronto com o Cara Branca, o qual identificam com os adultos. O palhaço faz tudo o que eles desejam fazer. Rebelar-se, desobedecer, transgredir o proibido, importunar, divertir-se. BRINCAR. Através dele projetam seus desejos, seus projetos, tudo o que querem fazer e lhes é proibido pelos adultos.
Por isso é normal que observar uma criança seja fonte de inspiração para o palhaço. Um dia, Charles Rivel revelou o segredo secreto do famoso uivo que ululava na pista como final de seus choramingos: “Um dia, meu filho, quando dava os primeiros passos, vestimos com um bonito traje de uma brancura imaculada. Ele se sentia tão feliz como sua mãe e eu. São tão graciosas as crianças!... E de pronto, meu menino começou a chorar e a chorar, desconsoladamente. Chorava e se aproximava de mim desconsolado. - Que passa, filho meu? -, lhe perguntei. Ele, chorando e soluçando, de repente, me estendeu os braços e lançou um prolongado gemido, levantando o rosto até o espaço.: - UUUUUuuuu!... UUUUuuuuu!... - . E pude comprovar que tinha sujado as brancas calças do lindo traje recém estreado. Não pude conter o riso e, por isso, agora na pista do circo imito seus choros estrondosamente e revivo assim a recordação de meu menino”.
Porém o palhaço não é uma criança. Tem idade de adulto e, portanto, viveu e experimentou muitos mais anos que uma criança. Não se pode apagar de um momento para outro tudo isso de sua memória. As pessoas, e os palhaços que existem por trás de cada uma delas, são como são e se comportam de determinada maneira como parte das experiências vividas desde seu nascimento.
O palhaço é, ao contrário, um adulto que atua sempre como o fazem os adultos quando não são observados, quando não estão expostos ao juízo dos demais. Há um relato de Maximo Gorki e 1923, Os homens sozinhos consigo mesmos, em que ele conta como em certa ocasião surpreendeu um palhaço inglês, Rondal, saudando respeitosamente a si mesmo sozinho. “Não  havia espectadores. Em um corredor deserto, ante um espelho, o palhaço tirou a cartola e fez uma reverência diante de sua própria imagem. No corredor não havia uma alma. Eu levantei casualmente a cabeça no preciso momento em que se saudava a si mesmo com toda solenidade”.
É que quando nos encontramos sós, nosso comportamento se torna livre, dando vazão as nossas verdadeiras emoções e mostrando a nudez de nosso interior. No mesmo relato, Górki diz: “Também vi como A. Tchecov, sentado no jardim de sua casa, tentava pegar com um chapéu um raio de luz solar e, sem nenhum êxito, colocá-lo na cabeça junto com o chapéu. Pude apreciar como o fracasso irritava o caçador de raios solares e seu rosto parecia cada vez mais contrariado”.
Seria impensável que esse comportamento se produzisse rodeado de adultos, sob pena de não lhe importar expor-se a seu imediato internamento em um manicômio. Mais adiante, Górki acrescenta: “Léon Tolstoi perguntava constantemente a uma lagartixa:
Estás bem, de verdade?”
A lagartixa tomava sol sobre uma pedra. Tolstoi estava de pé diante dela, com os dedos das mãos metidos no cinturão. Então, esse grande homem universal confessou à lagartixa:
“Pois eu me sinto mal”.
Essa é a diferença entre os adultos e as crianças. Os primeiros só se comportam como os segundos quando estão sós. As crianças o fazem quase sempre, esquecendo que estão sendo observadas. E só vão perdendo essa capacidade à medida que vão crescendo e assumindo os sentidos do ridículo, característico do mundo adulto.
Esse é o milagre do palhaço, que consegue comportar-se como uma criança sem renunciar à sua idade. E não só sem se preocupar se o olham ou não, senão com a necessidade de que o façam, compartilhando assim suas vivências com os demais. Voltamos a Charles Rivel como exemplo. Quando tinha 82 anos, ele mesmo dizia que era um menino, e vendo suas atuações se observa que, efetivamente, assim era. Porém, com a bagagem de sua idade, com seus 82 anos.
E um dos números de sua época, seu palhaço tenta fazer um equilíbrio com uma cadeira, porém não pode e a cadeira lhe golpeia na cabeça. Lhe dói e chora desconsoladamente. Chega uma menina a quem imediatamente começa a contar o que aconteceu. E o faz como um menino, falando de maneira entrecortada e sem deixar de chorar, de uma maneira certamente ininteligível. Continuando, se dirige à cadeira e lhe fala, cada vez mais enfadado, até que, finalmente, lha dá um chute, se machuca, e volta a chorar. A menina só consegue que deixe de fazê-lo quando lhe oferece uma garrafa de... aguardente, ou seja, de novo aparecem seus 82 anos. E em seguida, de novo troca sua idade, volta a ser um menino entusiasmado diante da proposta de aprender uns passos de balé. Durante o aprendizado, imagina que é um guarda de trânsito, brinca com sua mãos e as da menina. Morde-lhe um dedo, escapa dela para não ser golpeado, enfim, se comporta como uma criança. Uma criança de 82 anos...
Assim que mais vale pensar que os adultos são crianças atrofiadas e não que as crianças são adultos imaturos.

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