domingo, 4 de dezembro de 2011

Artigo - O OLHAR DO PALHAÇO

O OLHAR DO PALHAÇO
Jesús Jara, in El clown, un navegante de las emociones (trad.: Marton Maués)
O palhaço olha de frente, olhos abertos, sobrancelhas arqueadas. Inocência. Olhar claro, receptivo, aberto a receber, sentir e conhecer. Olhar que anuncia, que informa. Transparência total até quando tenta ocultar.  O palhaço procura compartilhar, envolver a quem que lhe observa. Arrebata-lhe seu desejo de cumplicidade com os outros. É como a criança que necessita que seus pais participem constantemente de sua aprendizagem e sua constante evolução. “Olha, papai, olha o que eu faço... Olha, mamãe, olha o que sinto. Olha. Olha e veja-me, esse sou eu, isto me emociona, isto eu descobri... Quero ir ali, posso ir?”
O olhar do palhaço acompanha seus pensamentos, suas convicções. Suas dúvidas e de novo suas convicções, nesse processo contínuo de fazer, deter-se para observar, e continuar fazendo. Olhar curioso, olhar inocente daquele que descobre coisas a cada segundo. Daquele que se assombra e sorve experiências que nunca, a diferença do ser humano, lhe retraem ou lhe distanciam, o convertem em anti-social ou individualista.
No palhaço o olhar é uma porta aberta para comunicar, para expressar. Nunca para ocultar, nem sequer quando tenta. É uma porta social para o intercâmbio, a ponte de comunicação de seu mundo interior. E a maneira de confrontar este com o dos demais, com as normas sociais. Seu olhar é um diário aberto através do qual recebemos permanente informação sobre suas intenções, ilusões, experiências, decepções, medos, desejos. Seus sentimentos escapam por seus olhos como a fumaça pela chaminé, de maneira natural, irrefreável, quase involuntária.
Um palhaço de circo, Machuca, aconselhou a outro que começava: “Se queres te fazer com o público, tens que olhar o espectador cara a cara, ou do contrário o público se meterá contigo, te fustigará. Tens que olhar as pessoas cara a cara para ganhá-las.”
É que seu olhar é um cintilar de cumplicidade, um convite à confidência. E essa corrente de confidências se converte em um despir-se entre os demais. E diante desse desnudamento, diante de tanta dignidade para mostrar-se, ao público só resta uma resposta, uma atitude: o respeito e a admiração.
Se um palhaço não nos olha, não existe.

Nenhum comentário: